O complexo onde está sediado o Museu da Vida possui uma relação antiga com atendimento a crianças, pois seu prédio foi originalmente construído para abrigar o Lar Escola Hermínia Lupion (popularmente conhecido como Lar das Meninas), instituição de acolhimento de meninas entre zero e dezoito anos, em regime de internato, que fossem abandonadas, órfãs, estivessem em situação de risco, possuíssem deficiências físicas ou mentais ou problemas de comportamento. A instituição possuía capacidade para atender até 200 menores, embora exista relatos de ter abrigado até 300 crianças em determinados períodos. A partir de 1979, passou também a atender meninos, mas em número reduzido. O início de sua construção data de 1950, durante o governo de Moyses Lupion, tendo sido criado por iniciativa da primeira-dama, Hermínia Lupion. A inauguração do prédio se deu quatro anos mais tarde, em 1.° de julho de 1954, durante o governo de Bento Munhoz da Rocha Neto.

O projeto arquitetônico do Lar foi assinado por Ernesto Guimarães Máximo, um dos poucos profissionais com formação específica em arquitetura atuantes em Curitiba, à época. São dele duas outras importantes construções da cidade, o Colégio Estadual do Paraná e a Casa do Estudante Universitário (GNOATO, 2003). O projeto do Lar das Meninas foi elaborado no ano de 1948, abrangendo um total de 11.843,36 m² de área construída. Seus pavilhões foram concebidos com funções distintas, conforme indicado na legenda desta planta baixa:

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LEGENDA

    1.    Casa Central (térreo: salas de aula e ambientes administrativos; 1.° andar: dormitórios das internas)
    2.    Pavilhão Médico
    3.    Capela
    4.    Clausura das Irmãs
    5.    Ginásio
    6.    Casa-lar
    7.    Refeitório, cozinha e lavanderia (inaugurado em 1962)

Sobre questões estilísticas da construção, Elizabeth Amorim de Castro (2006) afirma:

“A Casa Central […] apresenta, na planta e na fachada, um jogo de volumes formado pelo pórtico de entrada e pelo avanço dos blocos laterais. Estes possuem um revestimento de pedra na parte frontal, que termina com arremate em relevo na alvenaria. O triângulo determinado pelas águas do telhado recebe frisos horizontais, também em relevo na alvenaria.
O pórtico de entrada é avançado em relação ao conjunto, as aberturas são em arco ogival, encimadas por nichos. A Casa-Lar […], o Ginásio […] e as galerias de circulação […] apresentam vãos em arco pleno. Há, portanto, uma clara intenção de conjunto no tratamento formal, evidenciando o apuro construtivo (CASTRO; IMAGUIRE, 2006, p. 194).“

A direção administrativa da instituição era realizada por religiosas pertencentes à Congregação das Irmãs Filhas da Caridade de São Vicente de Paula e as crianças atendidas eram provenientes do Juizado de Menores e Secretaria do Trabalho e Assistência Social. As causas de internamento decorriam em geral de:

menor problema em casa era internada como castigo; órfão bilateral; órfão unilateral, mãe ou pai, que precisava trabalhar não podendo cuidar da filha; menor internada para estudar; genitores em condições econômicas precárias precisando trabalhar; menor adolescente que apresentava problemas de comportamento; menor que havia cometido furto; menor cujos responsáveis não possuíam idôneidade moral para educá-la; abandonada pela família; apreendida pela polícia; encontrada perambulando pelas ruas; maltratada pela família; trazida do interior, da casa dos pais, por família que necessitava de seus serviços, não se adaptando era entregue ao Juizado de Menores ao invés de ser devolvida à sua família; com deficiência física e mental; com deficiência auditiva; filhas de pais doentes (tuberculosos); epiléticas; filhas de mães solteiras; reinternada e internamentos provisórios (HISTÓRICO, s/d, s/p).

Conforme consta em matérias de jornal do ano de 1983 (LAR, 1983; SCHULMAN, 1983), as meninas eram divididas por faixa etária: existia o berçário, para os bebês; a creche, para crianças que não haviam atingido a idade de escolarização; no prédio central ficavam os dormitórios daquelas que possuíam entre 3 e 17 anos de idade; e na Casa Lar viviam as jovens que estavam completando 18 anos. As meninas estudavam em escolas próximas e aos finais de semana iam à missa, realizavam atividades de recreação dirigida e, algumas raras vezes, saíam para assistir espetáculos de teatro ou dança. No bosque, podiam brincar, praticar esportes, cultivar hortas e flores. As mais velhas possuíam maior liberdade e em alguns fins de semana podiam sair sozinhas ou namorar dentro da escola. No dia a dia, auxiliavam na limpeza e manutenção da instituição e também aprendiam trabalhos manuais, como tricô, bordado, crochê, bem como tinham aulas de cabeleireiro, manicure, limpeza de pele e culinária. Após atingirem a maioridade, algumas meninas saíam noivas ou casadas; outras, contratadas para trabalhar (grande parte das vezes em casas de família); e outras ainda saíam grávidas, circunstância em que eram encaminhadas para o Lar da Mãe Solteira.

O Lar Escola Hermínia Lupion funcionou nesta sede até fevereiro do ano de 1996, quando esta foi interditada, devido a rachaduras nos prédios. As moradoras foram transferidas para outro espaço, o Educandário das Irmãs Oblatas, no bairro Tarumã, sob protestos conduzidos pela Associação dos Amigos do Lar das Meninas. A decisão da mudança foi realizada durante reunião entre representantes da comunidade, da Secretaria da Criança e Assuntos da Família e do Instituto de Assistência Social do Paraná, após laudos técnicos de engenheiros da Secretaria Estadual de Obras, empresa Consultesp e Universidade Federal do Paraná. Houve grande demora na reforma, o que inquietou a comunidade e também aventou a possibilidade de o prédio servir a outra instituição, o que de fato acabou ocorrendo.

Após passarem um período de cerca de dois anos alojadas no bairro Tarumã, as internas do Lar das Meninas foram novamente trazidas para o bairro Mercês, em 1998, sob nova gestão. Porém, para seu retorno, o governo do estado construiu um novo espaço, um condomínio de Casas-Lares em terreno atrás do bosque, o qual ficou sendo coordenado pela Associação Padre João Roberto Ceconello (APJC). A criação das Casas-Lares buscava promover um contato mais individual no atendimento às crianças, proporcionando a elas um núcleo de convivência com características familiares. Em cada uma das casas, uma “mãe social” cuidava de cerca de nove crianças. A APJC, associação que ficou responsável pelas casas, possui direito privado, com caráter filantrópico e sem fins lucrativos e foi juridicamente oficializada em 1994, pelo Pe. João Ceconello, após longo período de trabalho em comunidades com pessoas carentes. Ela “é mantenedora de projetos humanitários, de melhoria na qualidade de vida, destinados às crianças, adolescentes e adultos vitimados pela exclusão social. É uma organização mantida através de parcerias, contribuições de associados e voluntários voltados para a causa da inclusão social” (ASSOCIAÇÃO, 2014). Ficaram sob responsabilidade dessa associação tanto o condomínio quanto o bosque e a capela, mas o prédio central continuou interditado.

Também no ano de 1998 foi criada a Pastoral da Sobriedade, organismo de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a qual “tem como objetivo a busca da sobriedade como um modo de vida, tratando da dependência química e de outras dependências a partir da vivência dos '12 Passos da Pastoral da Sobriedade'” (CNBB..., 2014). Padre João Ceconello, em 1999, se tornou responsável em nível de arquidiocese dessa pastoral e, no ano seguinte, assumiu sua coordenação nacional, de maneira que em 2000 a capela pertencente ao antigo Lar das Meninas passou a ser a sede da Coordenação Nacional da Pastoral da Sobriedade.

Na sequência, a capela que abrigou a Pastoral da Sobriedade tornou-se a Matriz da Paróquia Pessoal Cristo Redentor, em 2007, tendo Padre João Ceconello como pároco. O objetivo desta paróquia era atender dependentes químicos e suas famílias, por meio de entrevistas, terapias de grupo, grupos de auto-ajuda e encaminhamento para serviços especializados e comunidades terapêuticas. Ela esteve em funcionamento até o final do ano de 2013 (CRISTO, 2014).

Na proposta formal de retorno às antigas instalações estruturada pela Associação dos Amigos do Lar das Meninas em outubro de 1996, na qual era aceita a construção das Casas-Lares, a Associação sugeriu o uso do prédio central para a criação de um Centro de Apoio a Crianças e Adolescentes, para o atendimento de toda a comunidade, não só às meninas do Lar. Havia um grande anseio de que as instalações continuassem servindo ao grupo social a que historicamente serviram, e por isso foi assinalado que a comunidade reprovava qualquer outra destinação a elas que não à causa da criança. Contudo, no parecer técnico do Instituto de Ação Social do Paraná - IASP a esta proposta era questionado se haveria necessidade e demanda da região para a construção de um complexo como este (IASP..., 1996; ASSOCIAÇÃO..., 1996).

Nesse ínterim, em 1997 foi iniciado um processo para cessão do imóvel à Pastoral da Criança. A coordenação da instituição funcionou desde a sua criação, em 1983, na casa da Dra. Zilda, em Curitiba, no endereço Rua Pasteur, 279, no bairro Batel. Após esses catorze anos de trabalho, foi solicitado espaço físico para o governo do estado, e o prédio central do antigo Lar das Meninas foi indicado e apresentado pessoalmente pela então Secretária de Estado da Criança e Assuntos da Família e primeira-dama do Estado do Paraná, Fani Lerner. O início do processo de cessão aconteceu em 1997, mas apenas em 1998 o Poder Executivo autorizou-a, através da Lei n.° 12.250 – 08/07/1998. A Lei assegura que a cessão possui duração de 20 anos (com vigência até 30 de setembro de 2018), prorrogáveis mediante consenso entre as partes. Devido à necessidade de reformas no prédio, ele foi reinaugurado e voltou a ser utilizado apenas em 6 de dezembro de 1999, com apoio do Ministério da Saúde, da Fundação Banco do Brasil e de O Boticário. Ficou cedida à Pastoral parte do imóvel de propriedade do Estado do Paraná, com área de 19.136,86 m², com as benfeitorias sobre ele existentes. Para a criação do Museu da Vida, vários espaços foram reformados.


Referências:

Associação Padre João Roberto Ceconello [homepage na internet]. Curitiba [acesso em 28 maio 2014]. Disponível em: http://www.apjc.com.br/.

IASP – Instituto de Ação Social do Paraná. Parecer Técnico do IASP. Curitiba, 1996. Mimeo. 8 p.

Brasil. Lei nº 12.205, de 8 de julho de 1998. Autoriza o Poder Executivo a ceder à Pastoral da Criança, organismo de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, parte de imóvel de sua propriedade, situado nesta Capital, designado como Lar Escola Hermínia Lupion.

Castro EA; Imaguire, MRG. Ensaios sobre a Arquitetura em Curitiba 2; Colégios e Educandários. Curitiba: E. A. de Castro; M. R. G. Imaguire; 2006.

Cristo Redentor [homepage na internet]. Site da Arquidiocese de Curitiba. Curitiba [acesso em 16 jun 2014]. Disponível em: <http://arquidiocesedecuritiba.org.br/

Gnoato, LSP. Proposta de Preservação da Arquitetura Moderna em Curitiba. In: Anais do 5.º Seminário DOCOMOMO Brasil; 2003; São Carlos, BR. Disponível em: http://www.docomomo.org.br/ Acesso em: 16 jun. 2014.

Histórico: Lar Escola Hermínia Lupion. Mimeo. Sem data.

Lar das Meninas quer retornar à velha sede. Gazeta do Povo, 1996 fev. 16; s/p.

Lar: meninas órfãs de pais vivos. Jornal do Estado, 1983 set. 18; s/p.

Michelle K. Casa Lar, sinônimo de amor à criança. O Estado do Paraná, 1999 ago. 15; s/p.

Missa pela reforma do Lar das Meninas. Gazeta do Povo, 1996 jul. 7; s/p.

CNBB Regional Leste 2 [homepage na internet]. Belo Horizonte: Conselho Episcopal Regional Leste 2 – CONSER; [acesso em 16 jun. 2014]. Disponível em: http://www.cnbbleste2.org.br

Associação dos Amigos do Lar das Meninas. Lar das Meninas – Unidade Social Hermínia Lupion: Proposta de Retorno às Instalações da Vista Alegre. Curitiba; 1996. Mimeo. 4 p.

Schulman C. Escola Hermínia Lupion: um lar para muitas meninas. Jornal do Estado, 1983 nov. 24; s/p.


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